quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Monólogo de Orfeu_______ (Vinicius de Moraes)

"Mulher mais adorada!
Agora que não estás,
deixa que rompa o meu peito em soluços
Te enrustiste em minha vida,
e cada hora que passa
É mais por que te amar
a hora derrama o seu óleo de amor em mim, amada.

E sabes de uma coisa?
Cada vez que o sofrimento vem,
essa vontade de estar perto, se longe
ou estar mais perto se perto
Que é que eu sei?
Este sentir-se fraco,
o peito extravasado
o mel correndo,
essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu;
Tudo isso que é bem capaz
de confundir o espírito de um homem.

Nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga,
esse contentamento, esse corpo
E me dizes essas coisas
que me dão essa força, esse orgulho de rei.

Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música.
Nunca fujas de mim.
Sem ti, sou nada.
Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada.
Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível!
A existência sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos.
Tu és a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo,
minha amiga mais querida!

Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah! Criatura!
Quem poderia pensar que Orfeu,
Orfeu cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres -
que ele, Orfeu,
Ficasse assim rendido aos teus encantos?

Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho
que eu vou te seguindo no pensamento
e aqui me deixo rente quando voltares,
pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo

Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que estarei contigo."

terça-feira, 23 de março de 2010

Hoje

Hoje acordei mais tarde
Não fui trabalhar
Optei ficar em casa
Fazer nada
Cozinhar feijão
Comer macarronada


Limpar a sujeira
Esconder a poeira
Tirar os pelos
Depois me limpar
E limpar a sujeira que ficou
Nunca sai tudo
Nos cantos insiste em morar

Depois descansei
A tarde passou por cima de mim
Nem vi
Dormia e não sonhava
Me assustava
Me despertava
A noite já me visitava

A noite escrevi
Coloquei os pensamentos pra funcionar
Escrevi até um ponto parar
Pronto,
Já é hora de dormir
Amanhã o dia chega mais cedo
Fica ainda mais longo!

A volta

Estar de volta
Voltar denovo
Pra sempre estar na ativa
Voltei estar ativo
Acreditar na companhia das palavras
Das palavras me tornar escravo
Melhor que ficar isolado

No tempo em que eu estiver triste
Aqui estarão minhas angústias
Não na forma de dor
Mas na linguagem do sentimento
Me tornar disponivel
Me mostrar por fora
Me expor por dentro

A volta das mil voltas
O retorno da não ida
A construção não acabada
Mas os alicerces bem fundados

As palavras aprofundadas
A verdade das letras mostradas
A sensibilidade findada
A Sensatez detalhada, retratada.